bagres e pintados

30/01/2011 13:36

  A ordem dos peixes genericamente conhecidos como bagres, os Siluriformes, é muito maior e mais colorida do que se imagina. São pelo menos 34 famílias, 412 gêneros e mais de 2.400 espécies no mundo. A Ciência classifica as variedades através de regras taxonômicas e da genética, mas o padrão visual também diferencia, e até individualiza, esses peixes. Como impressões digitais, as manchas e as pintas de cada um dos ‘peixes de couro’ são únicas. O grupo inclui, ainda, alguns dos maiores peixes de água doce conhecidos, como o bagre gigante do rio Mekong (Pangasianodon gigas), da Ásia, que pesa até 300 quilos!  

Exemplos dessa diversidade não faltam aqui, no Brasil. Quem não conhece, ao menos de nome — ou de garfo —, o pintado? É, certamente, um dos peixes mais cantados em verso e prosa dos rios brasileiros, e não é à toa. Além de ser um astro em pescarias nas bacias dos rios Paraná e Paraguai – qual pescador não quer um ‘pintadão’ no currículo? — é também muito apreciado na culinária.  

Na verdade, existem pelo menos três peixes conhecidos popularmente como 'pintado' ou 'surubim', apesar de serem espécies diferentes. O pintado-verdadeiro é cientificamente chamado de Pseudoplatystoma corruscans. Os outros dois são também da família Pimelodidae e do mesmo gênero Pseudoplatystoma. Mas popularmente são também conhecidos como cachara e caparari.  

O motivo da confusão é simples: as três espécies se assemelham no formato e nas manchas ao longo do corpo. O 'chassi' desses peixes é parecido, com a cabeça e o ventre achatados, acúleos (espinhos) grossos nas nadadeiras dorsal e peitoral, dorso acinzentado e os característicos barbilhões. De fato, são todos 'pintados' em padrões similares, mas após uma observação um pouco mais atenta, revelam-se diferentes.

O pintado-verdadeiro possui manchas arredondadas e chega a 80 kg. No cachara (Pseudoplatystoma fasciatum), de até 30 kg, predominam listras transversais ao corpo. Já o caparari (Pseudoplatystoma tigrinum) apresenta listras transversais com mais ramificações. Além disso, sua cabeça é mais achatada, e ele cresce mais que o ‘primo’ cachara, atingindo 50 kg.  

Confusão parecida acontece com o nome jundiá. A espécie mais comum é Rhamdia quelen, disseminada em rios e lagoas de praticamente toda a América do Sul. Um peixe de médio porte — atinge cerca de 3 kg — com potencial para a aqüicultura, principalmente nos estados da Região Sul.

O outro jundiá (Leiarius marmoratus) é encontrado na Bacia Amazônica. Ganhou o apelido de ‘peixe-onça’ entre pescadores esportivos, tanto pelas manchas parecidas com as da pelagem do grande felino, como pela valentia que demonstra quando fisgado.  

Um dos jundiás (peixe-onça) pertence, a exemplo dos pintados, à família dos pimelodídeos, ao passo que outro pertence à família dos heptapterídeos. As espécies grandes de pimelodídeos são bagres predadores de peixes. Fazem parte dela outros peixes conhecidos dos pescadores, como a jurupoca (Hemisorubim platyrhynchos) e o barbado (Pinirampus pinrampu).

Alguns gigantes dos rios brasileiros, como a pirarara (Phractocephalus hemioliopterus), o jaú (Zungaro zungaro, antes chamado de Paulicea luetkeni) e a prestigiosa piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), o maior peixe dos nossos rios, também são membros dessa família. Os padrões de manchas, pintas e cores são instrumentos de defesa e ataque desses peixes, principalmente através da camuflagem. Ou seja, a beleza tem uma função, como tudo na natureza. Os bagres pintados são o mosaico vivo do fundo dos nossos rios e isso os ajuda a ficarem menos visíveis, tanto para suas presas como para os eventuais predadores.  

Mesmo sendo predadores e ‘briguentos’, os bagres não estão livres do risco de extinção, ainda que muitas espécies sejam abundantes. O surubim-do-Paraíba (Steindachneridion parahybae) é um exemplo de escassez provocada por desequilíbrio ambiental, mas que, felizmente, aponta para um desfecho feliz. A espécie é endêmica da bacia do rio Paraíba do Sul, onde já foi abundante e teve até importância comercial.

O rio nasce na Serra do Mar, em São Paulo, e deságua na Bacia de Campos (RJ). Na década de 1950, esse surubim sofreu grande golpe com a soltura do dourado (Salminus brasiliensis) naquelas águas. Sua população sofreu queda drástica nos anos seguintes, assim como a da piabanha (Brycon insignis). Plantações de arroz até a beira dos rios, substituindo a mata ciliar, e a construção de usinas hidrelétricas, com o represamento das águas, também foram fatores de grande impacto. 
 

Hoje, a espécie está praticamente extinta no Estado de São Paulo, onde não há notícias de captura há mais de uma década. A estação de hidrobiologia e aqüicultura da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) de Paraibuna coordena um projeto de repovoamento do surubim na bacia e de recuperação das margens dos rios. As matrizes, com cerca de três quilos, vêm do trecho mineiro do rio e chegam ao centro de pesquisas através de doações de pescadores.

A reprodução induzida já é feita com sucesso. Para o biólogo Danilo Caneppele, é importante que a reintrodução ocorra paulatinamente, em trechos distintos das áreas de obtenção das matrizes, para conservação da qualidade genética da espécie. Com dorso escuro e muitas pintas por todo o corpo, o surubim-do-Paraíba é representante legítimo da categoria dos bagres pintados, e um bonito exemplo de queda e recuperação de uma espécie, graças à parceria entre pesquisadores e pescadores.

Quem pintou os pintados?

Dizem os indígenas de língua Pano, que as manchas dos pintados foram feitas com tinta de jenipapo. Conforme conta o índio kaxinawá Osair Sales Siã, na Enciclopédia da Floresta, “era o tempo em que todo mundo se entendia, tanto bicho como gente. Um dia, o jacaré grande cantava com fome: ‘vocês podem atravessar por cima de mim, trazendo as caças para eu comer, só não podem trazer jacarezinho, que é meu irmão, e eu não posso ficar com raiva”.

Eles moravam na beira do rio grande, não tinham como atravessar para o outro lado, onde havia muita riqueza boa. Então viram o monstro, boiando em cima d’água, voltaram e avisaram seu povo. E todos foram caçar, mataram porquinho, veado, cutia, paca, mutum, macaco. Um que era teimoso matou um jacarezinho. Os que chegaram primeiro foram se aprontando, se pintando com urucum e jenipapo, botando o chapéu de penas. O que tinha matado porquinho jogou a caça e passou para o outro lado com a mulher e os filhos.

O jacaré era tão grande que fazia uma ponte de um lado para outro do rio. Os outros também fizeram o mesmo. Esses foram atrás de tecnologia avançada, viraram huxunawá (brancos). O que tinha caçado jacarezinho chegou e jogou na boca do monstro. O jacaré piscou os olhos, esturrou e mergulhou. Os que estavam atravessando e estavam pintados viraram surubim, caparari, piroaca, jundiá-manteiga, jundiá-lavrado, todos os bãe (peixes de couro). Os que estavam com chapéu de penas viraram jaburu, arara, gavião, pavãozinho, cada um de acordo com a pena do chapéu. Os que estavam na outra margem ficaram pedindo para buscá-los, mas não foi possível. Esses ficaram guardando a cultura”.

Para fisgar seu ‘bagrão’

Em geral, a pesca esportiva dos chamados ‘peixes de couro’ é feita com iscas naturais. Uma dica é dimensionar o equipamento de acordo com o tamanho da espécie e o seu hábitat. Para pescar o pintado em rios do Pantanal, por exemplo, uma linha de nylon com espessura entre 0,50 e 0,60 milímetro é suficiente para a maior parte das situações.

Quando se busca o jaú ao pé de corredeiras de pedras, por outro lado, o mínimo recomendado é uma linha com 1 milímetro. O peso deve ser suficiente para manter a isca no fundo, podendo variar de zero até mais de 200 gramas. Os anzóis mais utilizados têm tamanho entre 6/0 e 10/0. Fique atento aos hábitos dos peixes ao longo do dia. Em geral, os grandes bagres são encontrados nos ‘poços’ ou partes profundas do rio, nos horários de sol, e se dirigem a locais rasos ao amanhecer e no entardecer. A adaptação natural desses peixes a condições de baixa luminosidade sugere boas pescarias noturnas. 

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